já faz um tempo que eu preciso escrever pra você, mas eu sempre adio — você me conhece, é muito mais fácil arranjar mil razões pra procrastinar do que fazer o que eu realmente preciso fazer. agora mesmo, inclusive, estou procrastinando, porque preciso estudar (e preciso mesmo, porque esse trabalho de história pra segunda não vai se fazer sozinho, e deus me livre de fazer amanhã).
ok, talvez eu não diga exatamente procrastinando, porque eu já procrastinei a sua carta por tempo demais, né. chegamos a esse ponto. hierarquia da procrastinação.
primeiro, eu queria dizer que tá tudo bem, na medida do possível. não onde eu queria estar, porque a gente não fazia ideia de como ia ser complicado depois de um certo momento na vida, mas estamos levando bem, se você olhar o panorama geral: formada na faculdade (dois diplomas!), trabalhei com amigos, tô namorando. inclusive, muito feliz. e eu sinto que vou receber uma carta dizendo que preciso parar de evitar ir ao médico e me cuidar melhor, em algum momento, mas né: fazer o quê. tô tentando. segundo, tem algumas coisas que deram meio errado: depressão (disso você já tinha uma noção), ansiedade (disso também), nada de emprego e nada de conseguir colocar a cabeça no lugar pra realmente fazer algo dar certo. eu tenho certeza de que você mandaria logo um "mas por que você não faz logo as coisas e resolve sua vida?" se me visse nesse estado de inércia criativa e de vontade, e eu queria te explicar que eu quero, mas não consigo (o que é muito mais complexo do que eu achei que seria). estou me esforçando pra conseguir, porque eu não quero que isso atrapalhe coisas importantes pra mim, tipo os planos de sair da casa dos meus pais, ou o rumo do meu namoro. sério, tem tanta coisa em jogo a todo momento, você não quer nem começar a saber.
isso é um panorama bem rápido de tudo, porque uma coisa que tem estado na minha cabeça e que eu preciso falar com você sobre é a verdadeira razão de eu ter escrito pra você hoje.
lembra de quando a gente olhava praquilo que o papai queria que a gente fizesse da vida e pensava que era uma ideia terrível? eu lembro de pensar que não daria conta — a gente sempre foi muito distraída, e apesar de se sair bem em algumas matérias no ensino médio e na faculdade, sei lá. eu lembro que só o pensamento de cursar algo que envolvia tanta hierarquia e que nos obrigaria a enxergar de perto tanta coisa que a gente detestava (e que você com certeza ainda detesta) era o suficiente pra gente pensar que não daria conta. eu não lembro se você chegou a pensar que morreria, e eu acho que não, mas bom. vamos combinar que entrar no curso que a gente mais detestava levaria a uma queda de notas, e a gente sabe o que a mera ideia de repetir de ano ou reprovar no vestibular fez com a gente.
(eu fico me perguntando se você escolheu o que escolheu porque realmente queria ou porque só queria fugir da possibilidade de precisar fazer o pior, algumas vezes. não tenho mais como saber — espero que você se alivie aí pensando que queria isso mesmo —, mas muita coisa boa aconteceu por a gente ter cursado o que cursou, então tudo bem, tá? se esforça, vai dar tudo certo)
enfim. eu vim aqui te trazer notícias do futuro e contar que, ao contrário do que a gente achou que seria, não foi o fim do mundo. depois de anos de menosprezo e insistência, o papai conseguiu que eu finalmente cedesse (eu estava sem trabalhar, sem conseguir produzir qualquer coisa que fosse, e lidando com um ambiente muito difícil — mais difícil do que tá aí, pra você —, e cheguei à conclusão de que era melhor acatar isso e me colocar em movimento de novo do que cair numa crise depressiva forte outra vez), e cá estamos nós.
pois é. eu sei. eu também fiquei em choque, e fiquei mal, e a amanda ficou preocupada e tentou me ajudar a entender seus sentimentos em relação a isso, o que ajudou bastante (quando você conhecer a amanda, vai entender). e o que eu quero te dizer não é que é maravilhoso, mas sim que a gente conseguiu. a gente tem experiência, e depois de um tempão na faculdade e no técnico, a gente dá conta de bastante coisa. e eu não diria que é só uma questão de saber fazer as coisas — a gente é forte. já faz tanto tempo desde a última vez em que eu fiquei daquele jeito, sabe? é importante saber que a gente precisa respirar fundo e tentar ser o nosso melhor sem se apoiar em ninguém, mas é tão bom saber que é mais fácil com alguém, também, e com pessoas do nosso lado pra ouvir e rir e tentar ajudar. eu queria dizer que você não faz ideia do que você vai aguentar, e que você passou por tudo isso, mesmo achando que não conseguiria a todo momento, mesmo achando que tudo aquilo acontecendo dentro da sua cabeça nunca ia te deixar em paz, a não ser que.
você conseguiu, mesmo com esse a não ser que te assombrando a cada hora do seu dia. você lembra de quando a gente acordava no ensino fundamental e olhava pra lista de amizades que a gente tinha, na parte de baixo da estante? você lembra do ensino médio e da faculdade, e de acordar e pensar em todas as pessoas que iam fazer o nosso dia valer a pena, e só por isso conseguir fazer tudo o que a gente tinha que fazer? porque às vezes eu paro pra me lembrar, e cara, você sempre foi forte pra caramba. eu só consigo torcer pra ser forte, também, porque eu nunca sou você, por mais que eu queira.
(no mínimo, eu tento ser forte. tá tudo bem até agora na faculdade, e eu tô tentando manter tudo em dia. o que machuca mais são as pessoas, e não o que a gente achou que seria — hierarquias e obrigações. não é esquisito? talvez seja muito cedo pra você entender isso completamente)
bom, era isso. eu tenho muito mais pra te dizer, óbvio — eu teria linhas e linhas pra te contar sobre a sua vida amorosa no momento, e acho que você iria achar ótimo, e você é vegetariana agora, cê acredita? pois é. nem eu acredito. e você gosta de ABÓBORA. caraca. você é amiga de pessoas fantásticas e se sente menos parte de grupos do que gostaria e mais sozinha do que esperaria, mas consegue balancear tudo mais ou menos bem. e, sério, eu vou dar um jeito na coisa do emprego. e na de marcar um médico, também.
lembra de não se isolar, lembra de se permitir momentos com as pessoas que você gosta e de se abrir pra coisas novas, tá? eu sei que às vezes você tá muito mal, mas vai te fazer bem ver todo mundo. e conversar sobre. e tudo bem chorar, você vai chorar um monte, e eu sinto falta de chorar tão fácil. não deixa a vida te endurecer, tá bom? chora lendo "meu pé de laranja lima" no ônibus, chora assistindo "mary & max", gosta do que você achar legal e tenta entender tudo melhor — não é porque você não consegue montar um bom argumento que suas opiniões não são válidas, e você ainda vai conseguir. tudo bem se sentir acuada, não é sua culpa. suas decisões sobre o seu bem-estar, aquelas que levam em consideração você se sentir bem e não você ser um ser humano rentável, são muito boas; se apegue a elas. e, ah, a gente ainda usa a coisa do "trate as pessoas como você gostaria de ser tratado", e é bom. conheça pessoas, se abra com pessoas, tudo bem falar demais porque ninguém acha isso além de você (ou é o que me dizem, apesar de eu sempre achar que falo demais. tenta não duvidar tanto que as pessoas gostem de você e de te ouvir, também). aproveite o máximo que você conseguir e seja sincera, mesmo que doa, mesmo que pessoas vão embora — nada vale mais do que saber que as pessoas te amam por você ser quem é. pelo amor de deus, come direito, continua a escrever, e não acredita tanto em tudo o que te dizem. você não precisa ser o que outra pessoa quer que você seja pra que ela te ame. aproveita os momentos de se sentir extremamente empolgada, porque eles ficam mais raros, mas nunca deixam de ser divertidos. para de tentar se encaixar, deixa que as pessoas se encaixem em você. elas gostam de você porque você é legal.
e lembra que eu te amo muito, sempre, em qualquer lugar que você esteja, em qualquer momento que você esteja. eu espero que, quando chegar aqui, você goste de mim, também.
ok, talvez eu não diga exatamente procrastinando, porque eu já procrastinei a sua carta por tempo demais, né. chegamos a esse ponto. hierarquia da procrastinação.
primeiro, eu queria dizer que tá tudo bem, na medida do possível. não onde eu queria estar, porque a gente não fazia ideia de como ia ser complicado depois de um certo momento na vida, mas estamos levando bem, se você olhar o panorama geral: formada na faculdade (dois diplomas!), trabalhei com amigos, tô namorando. inclusive, muito feliz. e eu sinto que vou receber uma carta dizendo que preciso parar de evitar ir ao médico e me cuidar melhor, em algum momento, mas né: fazer o quê. tô tentando. segundo, tem algumas coisas que deram meio errado: depressão (disso você já tinha uma noção), ansiedade (disso também), nada de emprego e nada de conseguir colocar a cabeça no lugar pra realmente fazer algo dar certo. eu tenho certeza de que você mandaria logo um "mas por que você não faz logo as coisas e resolve sua vida?" se me visse nesse estado de inércia criativa e de vontade, e eu queria te explicar que eu quero, mas não consigo (o que é muito mais complexo do que eu achei que seria). estou me esforçando pra conseguir, porque eu não quero que isso atrapalhe coisas importantes pra mim, tipo os planos de sair da casa dos meus pais, ou o rumo do meu namoro. sério, tem tanta coisa em jogo a todo momento, você não quer nem começar a saber.
isso é um panorama bem rápido de tudo, porque uma coisa que tem estado na minha cabeça e que eu preciso falar com você sobre é a verdadeira razão de eu ter escrito pra você hoje.
lembra de quando a gente olhava praquilo que o papai queria que a gente fizesse da vida e pensava que era uma ideia terrível? eu lembro de pensar que não daria conta — a gente sempre foi muito distraída, e apesar de se sair bem em algumas matérias no ensino médio e na faculdade, sei lá. eu lembro que só o pensamento de cursar algo que envolvia tanta hierarquia e que nos obrigaria a enxergar de perto tanta coisa que a gente detestava (e que você com certeza ainda detesta) era o suficiente pra gente pensar que não daria conta. eu não lembro se você chegou a pensar que morreria, e eu acho que não, mas bom. vamos combinar que entrar no curso que a gente mais detestava levaria a uma queda de notas, e a gente sabe o que a mera ideia de repetir de ano ou reprovar no vestibular fez com a gente.
(eu fico me perguntando se você escolheu o que escolheu porque realmente queria ou porque só queria fugir da possibilidade de precisar fazer o pior, algumas vezes. não tenho mais como saber — espero que você se alivie aí pensando que queria isso mesmo —, mas muita coisa boa aconteceu por a gente ter cursado o que cursou, então tudo bem, tá? se esforça, vai dar tudo certo)
enfim. eu vim aqui te trazer notícias do futuro e contar que, ao contrário do que a gente achou que seria, não foi o fim do mundo. depois de anos de menosprezo e insistência, o papai conseguiu que eu finalmente cedesse (eu estava sem trabalhar, sem conseguir produzir qualquer coisa que fosse, e lidando com um ambiente muito difícil — mais difícil do que tá aí, pra você —, e cheguei à conclusão de que era melhor acatar isso e me colocar em movimento de novo do que cair numa crise depressiva forte outra vez), e cá estamos nós.
pois é. eu sei. eu também fiquei em choque, e fiquei mal, e a amanda ficou preocupada e tentou me ajudar a entender seus sentimentos em relação a isso, o que ajudou bastante (quando você conhecer a amanda, vai entender). e o que eu quero te dizer não é que é maravilhoso, mas sim que a gente conseguiu. a gente tem experiência, e depois de um tempão na faculdade e no técnico, a gente dá conta de bastante coisa. e eu não diria que é só uma questão de saber fazer as coisas — a gente é forte. já faz tanto tempo desde a última vez em que eu fiquei daquele jeito, sabe? é importante saber que a gente precisa respirar fundo e tentar ser o nosso melhor sem se apoiar em ninguém, mas é tão bom saber que é mais fácil com alguém, também, e com pessoas do nosso lado pra ouvir e rir e tentar ajudar. eu queria dizer que você não faz ideia do que você vai aguentar, e que você passou por tudo isso, mesmo achando que não conseguiria a todo momento, mesmo achando que tudo aquilo acontecendo dentro da sua cabeça nunca ia te deixar em paz, a não ser que.
você conseguiu, mesmo com esse a não ser que te assombrando a cada hora do seu dia. você lembra de quando a gente acordava no ensino fundamental e olhava pra lista de amizades que a gente tinha, na parte de baixo da estante? você lembra do ensino médio e da faculdade, e de acordar e pensar em todas as pessoas que iam fazer o nosso dia valer a pena, e só por isso conseguir fazer tudo o que a gente tinha que fazer? porque às vezes eu paro pra me lembrar, e cara, você sempre foi forte pra caramba. eu só consigo torcer pra ser forte, também, porque eu nunca sou você, por mais que eu queira.
(no mínimo, eu tento ser forte. tá tudo bem até agora na faculdade, e eu tô tentando manter tudo em dia. o que machuca mais são as pessoas, e não o que a gente achou que seria — hierarquias e obrigações. não é esquisito? talvez seja muito cedo pra você entender isso completamente)
bom, era isso. eu tenho muito mais pra te dizer, óbvio — eu teria linhas e linhas pra te contar sobre a sua vida amorosa no momento, e acho que você iria achar ótimo, e você é vegetariana agora, cê acredita? pois é. nem eu acredito. e você gosta de ABÓBORA. caraca. você é amiga de pessoas fantásticas e se sente menos parte de grupos do que gostaria e mais sozinha do que esperaria, mas consegue balancear tudo mais ou menos bem. e, sério, eu vou dar um jeito na coisa do emprego. e na de marcar um médico, também.
lembra de não se isolar, lembra de se permitir momentos com as pessoas que você gosta e de se abrir pra coisas novas, tá? eu sei que às vezes você tá muito mal, mas vai te fazer bem ver todo mundo. e conversar sobre. e tudo bem chorar, você vai chorar um monte, e eu sinto falta de chorar tão fácil. não deixa a vida te endurecer, tá bom? chora lendo "meu pé de laranja lima" no ônibus, chora assistindo "mary & max", gosta do que você achar legal e tenta entender tudo melhor — não é porque você não consegue montar um bom argumento que suas opiniões não são válidas, e você ainda vai conseguir. tudo bem se sentir acuada, não é sua culpa. suas decisões sobre o seu bem-estar, aquelas que levam em consideração você se sentir bem e não você ser um ser humano rentável, são muito boas; se apegue a elas. e, ah, a gente ainda usa a coisa do "trate as pessoas como você gostaria de ser tratado", e é bom. conheça pessoas, se abra com pessoas, tudo bem falar demais porque ninguém acha isso além de você (ou é o que me dizem, apesar de eu sempre achar que falo demais. tenta não duvidar tanto que as pessoas gostem de você e de te ouvir, também). aproveite o máximo que você conseguir e seja sincera, mesmo que doa, mesmo que pessoas vão embora — nada vale mais do que saber que as pessoas te amam por você ser quem é. pelo amor de deus, come direito, continua a escrever, e não acredita tanto em tudo o que te dizem. você não precisa ser o que outra pessoa quer que você seja pra que ela te ame. aproveita os momentos de se sentir extremamente empolgada, porque eles ficam mais raros, mas nunca deixam de ser divertidos. para de tentar se encaixar, deixa que as pessoas se encaixem em você. elas gostam de você porque você é legal.
e lembra que eu te amo muito, sempre, em qualquer lugar que você esteja, em qualquer momento que você esteja. eu espero que, quando chegar aqui, você goste de mim, também.
de você,
arantxa
arantxa